segunda-feira, 21 de julho de 2014

Diálogo do Shopping com o Rio


DIÁLOGO DO SHOPPING COM O RIO
Para Ananda e Mariana.


E um belo dia o Shopping informou ao Rio que teria de invadi-lo mais uma vez:

– Eu quero me expandir. É preciso ampliar o estacionamento e construir mais lojas. Cada dia é maior o número de clientes. Não é nada pessoal, mas o desenvolvimento econômico exige isso.

O Rio faz a seguinte ponderação:

– Eu entendo o seu lado. A questão é que sempre estive aqui, muito antes de qualquer construção ou intervenção humana. Logo, é um direito natural meu permanecer aqui, sem sofrer qualquer tipo de agressão.

É claro que o Shopping discorda:

– Você não entende: eu gero empregos, qualifico a mão de obra e contribuo para a arrecadação tributária do Estado. Afora isso, eu ofereço serviços, produtos e opções de lazer à coletividade.

Por sua vez, o Rio não se conforma:

– Você é que não entende: eu ofereço banho de rio, caranguejos, cultura ribeirinha, paisagem, peixes. E ofereço também um serviço ambiental que só os rios podem prestar quando levo as águas que banham os continentes diretamente para o mar, ajudando nos fluxos de energia e matéria dos ecossistemas e proporcionando a estabilidade do meio ambiente.

O Shopping tenta finalizar:

– Se você oferece alguns benefícios e eu outros, é possível afirmar que somos mais ou menos equivalentes. A diferença, contudo, é que os meus benefícios são considerados mais importantes pela maioria da população, que se preocupa apenas com emprego e renda. Portanto, será você que deverá a área, afinal de contas o poder econômico é sempre quem prevalece.

O Rio, no entanto, arremata:

– É um equívoco acreditar que somos equivalentes, pois os shoppings podem ser construídos em qualquer local e os rios não. Com efeito, os rios só existem na declividade mais baixa do relevo, fazendo com que as aguas possam escoar e correr por eles. Além do mais, eu gero vida, e a vida é a essência de toda atividade social, o que inclui, por obvio, as atividades econômicas. Sem o adequado funcionamento dos rios toda a cadeia ecológica fica comprometida, o que coloca em risco a própria continuidade da existência humana sobre o planeta. O problema é que essa relação de causa e efeito nem sempre é tão direta assim, daí as pessoas não atribuírem ao assunto a importância necessária.

Diante do silencio do Shopping, o Rio ainda complementa:

– Ah, tem mais uma coisa: os rios despertam os apaixonados e inspiram os poetas. Vai dizer que os shoppings fazem isso também?...



Cabedelo/PB, 17 de julho de 2014.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

o mar

o mar invadiu minha casa
derrubou os meus muros
tocou os meus segredos
levou embora os meus medos

o mar lavou os meus cabelos
confiscou minha fé
destruiu minha insegurança

o mar me fez perder tudo

o mar me fez começar do nada
construir tijolo por tijolo


(apenas o esboço de um poema escrito no avião de Recife para Petrolina no dia 21 de fevereiro de 2014)

Nas Nuvens

o avião
dança
por entre as nuvens

(e dança...
e dança...
e como dança!)

seria mesmo lindo
transformar a turbulência
em poesia

Sina

sem norte
nem sorte

sem bota
nem rota


(Cabedelo, janeiro de 2014)

Carnaval

Por tudo o que é sagrado:
eu não abro mão
do meu lado profano


(Petrolina, 21 de fevereiro de 2014)