Kung-Fú
Não
fazia sequer um mês de treino de Kung-Fú
eu já comecei a me sentir muito bem. Com o passar dos meses essa
sensação se ampliou consideravelmente. A cada dia eu dormia menos e
trabalhava
mais. Os
amigos e conhecidos não cansavam de
elogiar
a minha disposição e meu humor. Eu
me tornei o advogado mais produtivo do escritório, à noite eu era o
melhor aluno da pós-graduação. Era incrível a minha facilidade
para fazer trabalhos intelectuais ou manuais! Além
da parte física, que
tomava a maior parte do tempo das aulas, o
Mestre Yau
também
falava
sobre a filosofia taoísta e ensinava a prática da meditação de
olhos abertos. Como
os eventuais impedimentos de
treinar me
deixavam
apático e cansado eu
passei a frequentar as aulas todos os dias – exceto no domingo, que
era o único dia em que a academia não abria. No início houve uma
resistência do Mestre, que recomendava aos alunos apenas três
treinos por semana. Eu era sempre o primeiro a chegar e o último a
sair da academia. Se havia algum problema eu sempre me oferecia para
resolver (limpeza, parte elétrica, parte hidráulica etc). A
dedicação era tamanha que me tornei aluno assistente, uma espécie
de monitor do Mestre. Quando a aula na academia era de manhã eu
treinava em casa à noite, e vice-versa.
Os domingos e feriados eram oportunidades
para fazer um treinamento mais aprofundado, uma vez que nesses
períodos não havia trabalhos. Eu comecei a evitar festas e até
encontros com familiares ou amigos porque aquilo atrapalhava a rotina
de luta. Minha alimentação também era diferenciada, sem carnes,
açúcar, massas ou
qualquer produto artificial,
o que também me distanciava das antigas amizades. Minha
família agora era a academia! Após três anos de prática intensa
eu não conseguia dormir mais de uma hora por dia, e estava sempre
alegre e animado. Enquanto comia e dormia cada vez menos eu praticava
cada vez mais a arte marcial chinesa. Eram quatro, cinco, seis, sete
horas de treino por dia! Os amigos e familiares diziam que eu estava
exagerando, às vezes até os colegas da academia diziam isso. Eu, no
entanto, achava exatamente o contrário: eu entendia que precisava
treinar mais para poder seguir os passos do Mestre. Quando completei
sete anos de treino eu pedi demissão do escritório para poder me
dedicar com exclusividade à academia. O fato de ganhar
bem e de gastar pouco, aliado aos investimentos que realizei, fizeram
com que eu pudesse fazer apenas o que gosto. O Kung-Fú é mais
importante do que o dinheiro, a família, a profissão, a religião,
tudo! Se acordo, se durmo, se escrevo, se leio, se medito, se me
alimento, se me movimento ou se respiro, é tudo por obra e graça
dessa arte marcial milenar. A felicidade que eu sinto é
indescritível e inigualável, não havendo dinheiro ou
reconhecimento que pague por isso. O
Kung-Fú me ensinou que a
realização está no corpo e não na alma ou na mente, mas
para isso ele exige a entrega da vida por inteiro.