domingo, 30 de junho de 2019
Imponderável
se não é certo dizer
que a vida é tudo
tampouco se pode afirmar
que a vida não é nada
a vida não é isso
nem aquilo
nem aquiloutro...
(mas viver também não é
o oposto disso ou daquilo)
- a vida não tem aposto
nem aposta
não tem pergunta
nem resposta
(18 de maio de 2019)
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
Porque Apagaram Mandela
PORQUE
APAGARAM MANDELA
quem
é
marte
não
é
alma
quem
quer
arte
não
quer
arma
11.02.2019
sexta-feira, 11 de janeiro de 2019
Morrer
Morrer
Ao
morrer eu simplesmente não consegui pensar em nada. A única vontade
era procurar a melhor posição para o corpo e esperar o derradeiro
instante. Eu me deitei no gramado da praça e fiquei olhando para o
céu azul com poucas nuvens. Não me vieram à mente lembranças ou
sensações de amor, ódio ou tristeza. O coração parava de bater,
o pulso deixava de pulsar e o sangue estagnava. Nada realmente
parecia acontecer, a não ser o gradual esgotamento da força vital e
a aproximação da despedida. Contudo, nesse momento eu fui
surpreendido com um sentimento estranho de paz, de plenitude
absoluta. O fraquejar do corpo e da mente eram compensados por essa
calma, que gerava uma sensação de prazer indescritível e
inigualável. A impressão é que tudo que eu tinha vivido até então
só existiu e só podia se justificar por conta daquele centésimo de
segundo ali. A morte era a grande razão de ser, e a vida só
encontrava sentido no ato de morrer! Foi aí que eu compreendi o
grande segredo da vida, foi aí que os meus sentidos se foram e eu
morri.
Não
sei quantos dias depois eu acordei desnorteado e grogue, rodeado de
familiares, em um quarto de hospital. Após recobrar a consciência
os médicos me informaram que eu cheguei a ficar morto sob o ponto de
vista clínico. Para eles eu era um milagre da medicina, mais um caso
de recuperação inexplicável. Se a ciência não explicava, eu é
que não podia entender mesmo nada sobre o que aconteceu comigo.
De
quando em vez alguém me perguntava se eu tinha visto alguma coisa
extraordinária do outro lado da vida, a exemplo de um túnel ou de
um parente ou amigo falecido. Eu não tinha visto nada ou ninguém:
só senti e o que senti era absoluto e inenarrável. Todas as vezes
que tentei explicar essa passagem eu saí com a impressão de que a
pessoa pensava que eu estava louco ou com tendências suicidas. Daí
a resignação em não tocar mais no assunto.
Depois
de uma temporada de descanso eu tentei retomar a antiga rotina:
voltei ao convívio com a família, ao trabalho como advogado e ao
lazeres de sempre. Também comecei a cuidar da saúde, passando a
fazer exercícios físicos com regularidade e a ter uma alimentação
mais natural. Ocorre que o contentamento
por reencontrar familiares e os amigos foi pouco a pouco dando lugar
a um sentimento inicial de frustração. Com efeito, tudo tinha menos
ou nenhum sentido face o que eu tinha vivido. É como se uma
nostalgia da eternidade tomasse conta dos meus atos, dos meus
pensamentos. O único consolo é que eu poderia voltar a vivenciar
aquela sensação mais uma vez, afinal por alguma razão desconhecida
eu escapei das garras do anjo definitivo.
A
melancolia e a tristeza pareciam tomar conta da minha vida por
inteiro. Eu não tinha gosto pela vida, nem mesmo pelas coisas que
antes costumavam me dar mais prazer. É o caso do cinema, da comida,
do futebol e da literatura. Entretanto, algo aconteceria que
modificaria esse processo depressivo: meses depois eu morreria pela
segunda vez. Eu também não senti nada a não ser o gradual
esgotamento da força vital e, logo antes de perder a consciência,
um sentimento de paz e de plenitude absoluta. O prazer era
indescritível: morrer valia a pena, na verdade morrer era o único
ato pelo qual valia a pena viver! Isso me deu uma nova consciência,
porque agora eu sabia que podia morrer mais de uma vez. Sim, a vida
não era o fim de tudo, eu poderia morrer e viver novamente.
De
fato, pouco mais de um mês depois eu voltei a passar por tudo outra
vez. A morte e o bem-estar gerado por ela passaram a me visitar cada
vez com mais frequência. De meramente eventual o fenômeno se tornou
mensal, depois quinzenal e depois semanal até se tornar quase
diário. Com o tempo e com o acúmulo dessas vivências, eu comecei a
ter algum tipo de controle sobre o ato da morrer. Então, quando
acontecia algo irritante eu morria, quando estava muito cansado eu
morria, quando estava tudo um tédio eu morria e quando apenas queria
divertimento eu também morria. Morrer virou remédio para tudo e
para nada.
O
importante não é a morte em si, mas o ato de morrer. Nada mais
humano, nada mais animal, nada mais pertencente à natureza.
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